domingo, 8 de agosto de 2010

A CARTA NÃO CHEGOU

Logística de entregas é o lado visível da maior crise já enfrentada pelos Correios

Houve um tempo em que pelo menos duas coisas eram realmente milagrosas no Brasil: a pomada minâncora e a entrega dos Correios. Simbolizado pelo lendário CAN (Correio Aéreo Nacional), o Departamento de Correios e Telégrafos criado por Getúlio Vargas em 1931 e promovido a empresa pelo governo militar em 1969 chegava onde poucos brasileiros podiam estar, desde rincões remotos da Amazônia até os confins do pampa. Mas isso é passado: mergulhada na mais grave crise da sua história, que tem raízes na ingerência política, a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) não garante mais nem o prazo de entrega no Lami, bairro a 30 quilômetros do Centro de Porto Alegre.

– Conta de telefone, aqui, é raríssimo. O carteiro até passa de vez de quando, mas dificilmente traz alguma coisa. Já fui reclamar lá nos Correios, mas eles sempre têm uma desculpa– relata o aposentado José Antônio Souza Vieira, 58 anos.

Moradores do Lami, Vieira e a esposa Cirlei, 55 anos, sentem na pele a crise de qualidade dos Correios que muitos brasileiros conhecem só pelos jornais. Além de frequentemente pagar contas com atraso, o casal não recebeu o aviso da Justiça sobre uma audiência no INSS e perdeu a perícia agendada para uma filha, que é autista. A correspondência, apesar de corretamente postada, retornou sob a alegação de endereço desconhecido. São três anos de prejuízo.

– O juiz chamou para a audiência, mas a carta nunca chegou. Quando descobrimos que a correspondência tinha de ser buscada em uma agência, era tarde demais. Encaminhamos tudo de novo e, agora, espero receber o aviso a tempo – conta Cirlei.

O caso está longe de ser exceção. A própria direção dos Correios admite que o índice de eficiência na entrega de cartas convencionais hoje é de 83,4% – baixo se comparado ao nível de qualidade do Sedex 10, superior a 90%, e do telegrama, que chega a 98%. No começo da crise, no final do ano passado, o nível de confiança do Sedex 10 caiu para 85%.

A média diária de acessos nos canais de relacionamento da empresa – a maioria para registrar reclamações – bateu em 180 mil em julho de 2010. Segundo a ECT, a tendência de atraso e extravio na correspondência deverá ser revertida com a contratação de 2 mil trabalhadores temporários – já autorizada. O presidente da estatal, David José de Matos, reconhece que a normalização dos serviços não é coisa para este ano.

– Mas não há perigo de apagão. Vamos fazer o possível para que não ocorra – disse.

Parlamentar em Defesa dos Correios, o deputado Daniel Almeida (PC do B) é pessimista:

– Se não atacar logo essa inércia, o risco de um colapso postal é iminente.

Fonte: ZERO HORA