domingo, 8 de agosto de 2010

“O segundo semestre ainda será difícil”

David José Matos, presidente da Empresa de Correios e Telégrafos (ECT)

À frente dos Correios há exatos sete dias, David José de Matos sabe que tem um desafio enorme pela frente: atacar todas as fontes de problemas de uma das maiores estatais do país e ainda devolver a credibilidade do serviço à população e a autoestima aos funcionários. Tarefa das mais difíceis, ainda mais que o segundo semestre costuma ser mais movimentado em termos de carga postal do que o primeiro. E o país está crescendo.

Nesta entrevista, Matos fala dos principais gargalos da estatal, como a demora na licitação de mais de 1,1 mil agências franqueadas, e da preocupação com a falta de carteiros, que deve persistir até o início do ano que vem. A seguir, os principais trechos da entrevista a Zero Hora.

Zero Hora – A crise com mais de 1,1 mil agências franqueadas, que estão com os processos de licitação na Justiça, pode fazer com que os Correios alterem o modelo?

David José de Matos – Não acredito nisso. O modelo é um sucesso. O que não podemos, neste momento, é mudar todo um estudo com provas e cálculos só porque o franqueado diz que o preço está ruim. Não há interesse dos Correios em colocar franqueado para trabalhar e depois ver que ele tomou prejuízo. É claro que algumas variáveis podem ser diferentes e, nesse caso, a gente pode até rever. Mas no geral, na média, o preço de ressarcimento de despesas e de lucro dos franqueados é condizente. Os Correios têm obrigação, como empresa pública, de zelar pelo bem público e pagar aquilo que considera justo.

ZH – As franquias não se tornaram importantes demais para a empresa?

Matos – Independentemente da licitação, já foi feita uma limitação no tipo de cliente que as franqueadas podem a partir de agora carrear para seus serviços. O que estava acontecendo é que tradicionais clientes nossos estavam sendo levados pelas franqueadoras, que ofereciam vantagens. Uma portaria já determinou que tipos de clientes elas podem captar. Ou seja, esse número aí (de agências) já deixa de ser tão expressivo. Só para dar um exemplo: tinha franqueada que fazia apenas interceptação de cliente e faturava com isso, o que foge totalmente daquilo que se pensou, que era prestar um serviço naquelas regiões onde os Correios teriam mais dificuldade de fazer.

ZH – O fim dos contratos, em novembro, não pode causar problemas aos usuários?

Matos – Quanto ao cliente da carta simples, que use uma agência franqueada perto da sua casa, lógico que vai sofrer um pouquinho mais e vai ter de correr atrás da agência. Estamos nos preparando. Se analisar o cronograma, se conseguíssemos colocar hoje todas as licitações dentro da meta, teríamos de julgar, contratar e treinar num prazo muito curto. Temos 261 empresas que já assinaram contrato com a ECT, mas ainda estão fazendo treinamento. A nossa preocupação até independe um pouco da questão das licitações. Se as liminares forem canceladas, vamos fazer todo o possível para correr com isso.

ZH – E se o Tribunal de Contas da União (TCU) tiver outro entendimento?

Matos – Vamos obedecer. Se precisar fazer um adendo ou até abrir um novo prazo (para licitações), vamos fazer. Mas tenho confiança nos nossos técnicos. Agora, o prazo de 10 de novembro, seja qual for a circunstância, é muito curto.

ZH – Há risco real de um apagão postal?

Matos – Esse perigo não há. Vamos fazer todo o possível para que não ocorra. É uma pena que (a suspensão judicial das licitações) venha se arrastando há tanto tempo e, agora, estejamos premidos pela data de 10 de novembro. Cabe agora tentar minorar todos os efeitos perniciosos dessa situação. Vamos chegar a um bom termo, e não há ideia de que franqueados são prejudiciais à empresa pública.

ZH – Outro foco de crise é a licitação dos trechos da Rede Postal Noturna. Como o senhor vai atacar esse problema?

Matos – Estamos estudando a criação de uma subsidiária para ­atuar na área de logística. Mas esse não é um problema tão grande. Por exemplo: no Sedex, apenas 17% são transportados por via aérea. O que ocorreu no início do ano é que, de nove linhas de operação da RPN (Rede Postal Noturna) em janeiro, em determinado momento, baixou para três linhas. Por problemas das empresas, uma com acidente, outra por questões de segurança levantadas pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Isso sobrecarregou muito a parte ­aérea. Tivemos de remanejar e botar (a carga) no chão. No primeiro trimestre, o índice de qualidade foi muito aquém do que a empresa vem demonstrando nos últimos anos. Apresentamos algumas soluções, como criar uma empresa de logística ou ter aeroanaves próprias.

ZH – É possível solucionar a falta de carteiros em curto prazo?

Matos – No segundo semestre, ainda vai faltar mão de obra lá na ponta. Há uma necessidade muito grande de carteiros porque um PDV que ocorreu no ano passado tirou alguns cargos importantes que não foram repostos ainda. O concurso (remarcado para 21 de novembro) está em estágio de maturação, mas também não resolve o problema do segundo semestre porque, pela lei eleitoral, só podemos contratar no ano que vem. A solução vai ser a contratação terceirizada. Vai suprir a demanda do segundo semestre, especialmente com o Enem, a distribuição de livros para a rede pública, que é a maior operação feita por um correio no mundo, e as festas do fim de ano. Ano que vem, a coisa estará equalizada.

ZH – O segundo semestre ainda será difícil?

Matos – Para nós, sim. Quando digo isso, espero que se reflita o mínimo possível no serviço.

ZH – O senhor defende a solução Correios SA?

Matos – Isso está sendo estudado. Há um medo generalizado que, ao se tornar SA, (a empresa) tenha de obrigatoriamente ser privatizada. Não é verdade. Com capital fechado, continua na mão do goveno. A fórmula jamais foi de privatização, até porque o monopólio já foi ratificado ano passado (pelo STF). Sou de opinião de que cada um deve fazer aquilo que sabe. O Correio sabe fazer o quê? Transportar carga, encomendas, postais, cartas. Agora, a questão de ter e operar aviões começa a sair um pouco daquilo que é o Correio. Essa alternativa (Correios SA) cria uma subsidiária para cuidar especificamente disso. O importante é que precisamos fazer as coisas com presteza, pois a população não pode mais sofrer os prejuízos.

Fonte: ZERO HORA