segunda-feira, 28 de junho de 2010

O que fizeram com os Correios?

MARIA INÊS DOLCI

Os abusos cometidos por governos
nas estatais só acabarão quando
houver limitação de nomeações

HÁ ORGANIZAÇÕES que pairam acima do descrédito que
a prestação de serviços recebe, merecidamente, no Brasil. A
Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos sempre
desfrutou desse crédito.
Lamentavelmente, a situação mudou nos últimos anos. O
Sedex (Serviço de Encomenda Expressa), por exemplo, foi
criado há quase três décadas como uma opção mais rápida de
envio de correspondência, em até 24 horas. Hoje, porém, não
há mais garantia dessa rapidez, embora tenha ficado cada vez
mais caro.
Cartas comuns levam muitos dias entre uma capital como
São Paulo e uma cidade do interior de um Estado do Sul do
Brasil. Note que não me refiro à região amazônica, distante e
com dificuldades de acesso.
Recebi, há alguns dias, e-mail de uma leitora que enviou um
texto, fruto de meses de trabalho, via Sedex com taxa de
Aviso de Recebimento (AR), para registro na Biblioteca
Nacional. Quando reclamou por não ter recebido o AR, foi
informada de que fora extraviado. Sem o registro na
Biblioteca Nacional, não poderia buscar patrocínio para sua
obra.
Ela teve de trocar telefonemas, e-mails e se desgastar até
saber que a entrega efetivamente ocorrera, mas com atraso de
três dias.
Seria somente uma exceção? Parece que não, porque o
diretor de Operações dos Correios, Marco Antônio Marques
de Oliveira, foi exonerado do cargo no dia 17 passado.
Exoneração que teria ocorrido porque os Correios vêm
enfrentando críticas nos últimos meses, devido a atrasos nas
entregas de encomendas e de correspondências. A revista
"Veja" já havia publicado, na edição do dia 5, que a diretoria
dos Correios estaria a perigo. O presidente Luiz Inácio Lula
da Silva teria exigido que o ministro das Comunicações, José
Artur Filardi, acabasse com disputas internas entre diretores
da autarquia e que agisse para melhorar a gestão do serviço
postal.
Esta Folha abordou, no dia 12, a crise enfrentada pelos
Correios, que tiveram o menor lucro na era Lula, provocado
pelo rombo do fundo de pensão da empresa, o Postalis.
Além disso, há atrasos nas entregas de correspondência e na
realização de concursos e problemas na renovação de
franqueados.
Por que os Correios passaram de orgulho nacional a
problema? Temos que voltar mais atrás no tempo e lembrar
que o mensalão foi descoberto após a denúncia de
irregularidades nos Correios, envolvendo partido aliado do
governo federal, em 2005.
O uso de empresas públicas para acomodar apoiadores de um
determinado partido no poder não dá boa coisa. O inchaço da
área pública, com a multiplicação de funcionários sem prévio
estudo e debate nacional, também não.
Estragaram uma empresa que tem fortíssima vinculação com
todos nós, brasileiros, seja pelo envio de uma simples carta a
um familiar distante ou de um documento urgente para
fechar um negócio.
Empresas estatais não pertencem a governantes nem a seus
partidários, e sim ao país. Os abusos cometidos por governos
nas estatais só acabará quando houver limitação de
nomeações, inclusive de diretores.
Não há razão para mudar o comando de uma empresa
pública após uma eleição, exceto com justificativas
consistentes para as trocas.
Discutem-se as privatizações como se fossem prejudiciais à
sociedade brasileira. Mais importante, contudo, do que uma
empresa ser pública ou privada é a qualidade dos serviços
que presta e o retorno que dá a seus acionistas, empregados e
clientes.
Por que a cliente que pagou Sedex com AR e não recebeu
confirmação da entrega da correspondência no prazo correto
deveria pagar pela má escolha de dirigentes dos Correios?
Por que teria de perder tempo e se irritar para saber o que
houve com a correspondência?
Consumidores de serviços públicos também são
consumidores. E, nesses casos, devem entrar com ação no
Juizado Especial Federal por perdas e danos,
independentemente do dano moral, que pode ser tratado na
Justiça comum.

MARIA INÊS DOLCI, 54, advogada formada pela USP com
especialização em business, é especialista em direito do consumidor e
coordenadora institucional da ProTeste Associação de Consumidores.
Escreve quinzenalmente, às segundas, nesta coluna.
Internet: mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br

Fonte: Folha de São Paulo